O Jogo da Esquerda/Direita

Gênero: psicológico, sobrenatural, mistério, sci-fi.

Alguns pontos antes de começarmos.

Em primeiro lugar, não sou o protagonista desta história. Apenas frequentei a universidade com a tal e, embora ela tenha se tornado uma escritora profissional, eu não me tornei. Ela tomará meu lugar mais para frente na história, mas até lá, por favor, perdoem-me esse começo constrangedor enquanto dou o contexto necessário.

Em segundo lugar, não sei o que vocês vão achar dos seguintes eventos, e tenho certeza que muitos considerarão como um tipo de hoax. Eu não estava presente no que se passou em Phoenix, Arizona, mas posso assegurar as verdades de quem escreveu os diários. Ela não é, nem nunca foi, alguém que escreve fantasias.

Bem, uma vez conheci uma garota chamada Alice Sharma. Era uma estudante na Universidade de Edimburgo, estudávamos lá na mesma época. Eu era estudante de história, uma formação que me beneficiou grandiosamente na minha carreira de mecânico de bicicletas. Alice Sharma estudava jornalismo, embora "estudar" não seja a palavra certa. Não é um exagero falar que ela vivia e respirava isso. Editora chefe do jornal do campus, uma voz reconhecível da rádio estudantil. Era frustrantemente cabeça-dura, e já era jornalista em seus próprios termos antes mesmo de alguém nomeá-la tal.

Foi nos corredores que nos conhecemos, e viramos amigos quase imediatamente. Um ser humano que não valia nada tentando fugir da fazenda dos pais e uma aventurosa e ambiciosa repórter não parecem um par óbvio, mas aprendi a não questionar esse tipo de coisa. Era inspiradora, inteligente e revisava todos os meus trabalhos. Não sei o que viu em mim.

Eventualmente nos tornamos colegas de quarto em Londres, onde ela perseguia seu sonho e eu, meu próprio rabo. Ela conseguiu alguns trabalhos aqui e ali, mas nada que se adequasse às suas habilidades. Depois de meses de infrutíferos estágios e rejeições, Alice fez uma reunião no apartamento, declarando que se mudaria para os Estados Unidos, aceitando um emprego em que procuraria casos para a National Public Radio. A vaga tinha surgido do nada, resultado de milhares de candidaturas que fizera no passado. Fizemos uma festa de despedida agridoce, e seu quarto ficou disponível nos classificados.

Foi na festa a última vez que vi Alice Sharma. Parou de entrar em contato alguns meses depois de sua partida. Um silêncio absoluto. Acreditei que estava apenas ocupada, então continuei com minha vida pequena porém feliz, e esperei que Alice aparecesse na televisão com algum subtítulo importante embaixo de seu nome; Chefe correspondente, Analista Sênior... algo desse tipo.

O silêncio absoluto foi quebrado semana passada, e por motivos que você descobrirá mais para frente, fiquei mais infeliz do que jamais poderia imaginar.

Chegando em casa do trabalho, encontrei um solitário e-mail na minha antes vazia caixa de mensagens. Um e-mail que mais tarde seria classificado como "suspeito" por amigos que entendem de tecnologias. Mesmo tendo nascido no começo dos anos 90, eu não tive um computador próprio até entrar na Universidade, e perdi muitas aulas importantes do mundo cibernético. Lições como "não chame a internet de mundo cibernético", por exemplo, e mais importante, "Não abra um e-mail sem corpo de texto, título ou remetente."

Entendo que muitos de vocês teriam deletado imediatamente esse e-mail anônimo e vazio, como muitos amigos meus fariam, mas além da minha ignorância sobre segurança online, algo me compeliu a abri-lo. A única coisa de substância que havia nele era um arquivo zipado, uma pasta chamada:

Esquerda.Direita.AS

Não preciso explicar o que esperava que essas últimas iniciais significassem.

Abrindo o arquivo zipado, me encontrei encarando diversos arquivos de texto. Cada um intitulado com uma data, em sequência contínua até o arquivo mais antigo "07-02-2017".

Já li os arquivos algumas vezes, e mostrei para alguns amigos. Assim como eu, não sabem muito bem do que se trata, mas certamente não ficaram tão preocupados quanto eu. Acham que Alice apenas está passando por uma fase de escrita criativa e, se eu não a conhecesse, concordaria. Mas o problema é: eu a conheço. Alice Sharma se importa apenas e unicamente com a verdade e, se esse for o caso, por mais louco que soe, é possível que minha amiga tenha registrado seu próprio desaparecimento.

As pessoas que sugeriram esse fórum disseram que aqui é discutido casos bizarros com frequência. Se alguém aqui sabe algo relacionado com o que estou postando, ou sabe de alguém que possa estar envolvido, então, por favor, estou aberto à receber qualquer tipo de informação.

Alguém já ouviu falar do Jogo da Esquerda/Direita?
O Jogo da Esquerda/Direita [RASCUNHO 1] 07/02/2017

Dizem que histórias extraordinárias acontecem com aqueles que podem contá-las. Robert J. Guthard é uma exceção a essa regra. Enquanto me sento em sua mesa, bebendo seu café, ouço-o recontar seus últimos 65 anos de vida, sentindo como se ele estivesse recitando uma lista de compras. Todos os eventos, seu primeiro emprego, seu segundo casamento, seu terceiro divórcio, nada foi descrito com mais do que duas frases. Rob vaga pelos anos, protagonista tedioso e desapaixonado de sua própria história. Entretanto, a história em si é tão fascinante, com momentos tão ricos e passagens selvagens que até consegue ser interessante.

É uma ótima história, não importa como for contada.

Quando Rob tinha 21, já tinha se casado, tido um filho, trabalhado como fazendeiro, caminhoneiro, engenheiro de barcos, e se tornou distante de sua esposa... Aqui ele conta sobre.

ROB: É claro que minha esposa começou a ficar insatisfeita, eu fiquei longe muito tempo.

AS: Por causa do trabalho?

ROB: Vietnã.

AS: Você esteve no Vietnã? Como isso foi para você?

ROB: Eu nem sequer voltei de lá.

Isso era tudo que ele tinha para falar em relação ao seu primeiro divórcio, e sobre toda a Guerra do Vietnã.

Rob teve mais quatro casamentos depois desse, e ainda mais profissões. Depois disso trabalhou eu uma firma de detetives particulares, foi baleado em uma multidão, e então virou um entregador de encomendas, e foi assim que um garoto pobre do Alabama conheceu o mundo.

ROB: Fui a maioria dos continentes com esse emprego. Fui até para a Índia. Você é da Índia?

AS: Minha mãe e meu pai são indianos, sim.

ROB: Percebi.

Uma vez foi preso em Singapura, depois que foi descoberto que suas malas estavam cheias de embalagens com um pó branco. Passou três dias encarcerado até que alguém checou a substância. Era giz.

Um amigo que conheceu durante sua breve custódia, Hiroji Sato, convidou-o para ficar com ele no Japão. Recuperando-se da separação de seu terceiro casamento, Rob aceitou a oferta. Ficou no Japão por cinco anos.

ROB: Os Japoneses são boa gente. Boas maneiras. Mas tem todas essas lendas urbanas e histórias de fantasmas que deixavam Hiroji fascinado, passava todo seu tempo livre procurando por isso. Por exemplo, você já ouvir falar de Jorogumo?

AS: Acho que não.

ROB: Bem, é uma moça-aranha que vive nas cascatas de Joren perto da península de Izu. Muito bela, porém muito perigosa. Hiroji nos levou lá para tirar uma foto dela.
AS: E você a viu?

ROB: Não, ela não apareceu. Nenhum deles nunca aparecia. Eu nunca acreditei em nada até irmos a Aokigahara.

Aokigahara, afetuosamente apelidada de floresta dos suicídios. A próxima parada nas aventuras de Rob. É uma área florestal na base do Monte Fuji, um espaço conhecidíssimo onde jovens vão para se matar. Hiroji, colega de cela e obcecado por histórias de fantasmas, tornou-se melhor amigo dele e o levou para Aokigahara para perseguir "yurei", o fantasma da floresta.

AS: Vocês encontraram algo? Em Aokigahara?

ROB: Bem, não vou pedir que acredite em mim. Mas eu era um cínico profissional. Entretanto, nem mesmo eu posso negar de que havia um espírito naqueles bosques.

A partir daquele momento, as frases de Rob começaram a se tornar mais longas. Uma animação infantil tomou conta de seu tom de voz. Tive a sensação distinta de que estávamos saindo do plano de fundo, além da antiga vida de Guthard, indo em direção da nova. Da qual ele queria contar sobre. Da qual fez com que entrasse em contato com o programa.

ROB: Ele andou até mim por entre as árvores. Parecia com a estática que você vê em uma TV dessintonizada, mas quase na forma de um humano.

AS: Quase?

ROB: Não tinha um braço. Tentou me alcançar, mas corri como o diabo da cruz daquela floresta. Hiroji nunca o viu, está bravo comigo até hoje por isso.

Hiroji tinha um bom motivo para ficar irritado. Rob diz que o Sr. Sato ia naquela floresta de duas a três vezes por ano por três décadas. Um recruta ir junto e dizer que viu um yurei na sua primeira vez? Eu ficaria mais do que um pouco irritada.

Mas Rob não manteve a posição de recruta por muito tempo. Na verdade, foi naquela floresta que ele descobriu sua atual paixão. O sobrenatural, ou melhor, documentar e investigar lendas urbanas. Lendas como Maria Sangrenta, Demônio de Jersey, Pé-Grande. Rob pesquisou todas elas.

ROB: Percebi que, se uma delas era real, quantas mais poderiam ser, sabe?

AS: Quantas você já provou ser real até agora?

ROB: Desde Aokigahara? Não tenho provas para nenhum. Aliás, exceto uma. E é por isso que chamei vocês.

Nesse momento, Rob não consegue segurar o sorriso.

O Jogo da Esquerda/Direita apareceu em um fórum sobre assuntos paranormais em Junho de 2016. Apenas poucas pessoas visitavam o site e, desses frequentadores regulares, apenas Rob demonstrou interesse na postagem.

ROB: O negócio todo tinha um nível de detalhes que você geralmente não vê em outras histórias.

AS: Que detalhes chamaram sua atenção?

ROB: Entradas de diários. Fotos em alta definição. O cara documentava tudo, dizendo que não iria mais jogar. Acho que queria alguém que continuasse investigando.

AS: E você era esse alguém.

ROB: Isso aí. Comecei a tentar verificar as informações imediatamente.

AS: E como foi?

ROB: Bem... Não demorei muito para perceber que o jogo da Esquerda/Direita era algo real.

As regras do jogo são simples. Entre no seu carro e comece a dirigir. Vire a esquerda e na próxima rua, vire à direita, então na próxima vá para a esquerda de novo. Repita esse processo infinitamente, até que você chegue em um lugar... novo. As regras são de fácil entendimento, mas Rob disse que não são simples de ser seguidas.

ROB: Não existem muitas estradas que você pode virar na esquerda e depois direita, depois esquerda, depois direita e assim por diante. Muitas vezes você encontra uma rua sem saída, ou se vê obrigado a virar na direção oposta. Mas Phoenix é construída em sistema de grades, assim você pode ficar indo para esquerda e direita o quanto quiser.