Alguém já ouviu falar no jogo da Esquerda/Direita?

Gênero: psicológico, sobrenatural, mistério, sci-fi.

Alguns pontos antes de começarmos.

Em primeiro lugar, não sou o protagonista desta história. Apenas frequentei a universidade com a tal e, embora ela tenha se tornado uma escritora profissional, eu não me tornei. Ela tomará meu lugar mais para frente na história, mas até lá, por favor, perdoem-me esse começo constrangedor enquanto dou o contexto necessário.

Em segundo lugar, não sei o que vocês vão achar dos seguintes eventos, e tenho certeza que muitos considerarão como um tipo de hoax. Eu não estava presente no que se passou em Phoenix, Arizona, mas posso assegurar as verdades de quem escreveu os diários. Ela não é, nem nunca foi, alguém que escreve fantasias.

Bem, uma vez conheci uma garota chamada Alice Sharma. Era uma estudante na Universidade de Edimburgo, estudávamos lá na mesma época. Eu era estudante de história, uma formação que me beneficiou grandiosamente na minha carreira de mecânico de bicicletas. Alice Sharma estudava jornalismo, embora "estudar" não seja a palavra certa. Não é um exagero falar que ela vivia e respirava isso. Editora chefe do jornal do campus, uma voz reconhecível da rádio estudantil. Era frustrantemente cabeça-dura, e já era jornalista em seus próprios termos antes mesmo de alguém nomeá-la tal.

Foi nos corredores que nos conhecemos, e viramos amigos quase imediatamente. Um ser humano que não valia nada tentando fugir da fazenda dos pais e uma aventurosa e ambiciosa repórter não parecem um par óbvio, mas aprendi a não questionar esse tipo de coisa. Era inspiradora, inteligente e revisava todos os meus trabalhos. Não sei o que viu em mim.

Eventualmente nos tornamos colegas de quarto em Londres, onde ela perseguia seu sonho e eu, meu próprio rabo. Ela conseguiu alguns trabalhos aqui e ali, mas nada que se adequasse às suas habilidades. Depois de meses de infrutíferos estágios e rejeições, Alice fez uma reunião no apartamento, declarando que se mudaria para os Estados Unidos, aceitando um emprego em que procuraria casos para a National Public Radio. A vaga tinha surgido do nada, resultado de milhares de candidaturas que fizera no passado. Fizemos uma festa de despedida agridoce, e seu quarto ficou disponível nos classificados.

Foi na festa a última vez que vi Alice Sharma. Parou de entrar em contato alguns meses depois de sua partida. Um silêncio absoluto. Acreditei que estava apenas ocupada, então continuei com minha vida pequena porém feliz, e esperei que Alice aparecesse na televisão com algum subtítulo importante embaixo de seu nome; Chefe correspondente, Analista Sênior... algo desse tipo.

O silêncio absoluto foi quebrado semana passada, e por motivos que você descobrirá mais para frente, fiquei mais infeliz do que jamais poderia imaginar.

Chegando em casa do trabalho, encontrei um solitário e-mail na minha antes vazia caixa de mensagens. Um e-mail que mais tarde seria classificado como "suspeito" por amigos que entendem de tecnologias. Mesmo tendo nascido no começo dos anos 90, eu não tive um computador próprio até entrar na Universidade, e perdi muitas aulas importantes do mundo cibernético. Lições como "não chame a internet de mundo cibernético", por exemplo, e mais importante, "Não abra um e-mail sem corpo de texto, título ou remetente."

Entendo que muitos de vocês teriam deletado imediatamente esse e-mail anônimo e vazio, como muitos amigos meus fariam, mas além da minha ignorância sobre segurança online, algo me compeliu a abri-lo. A única coisa de substância que havia nele era um arquivo zipado, uma pasta chamada:

Esquerda.Direita.AS

Não preciso explicar o que esperava que essas últimas iniciais significassem.

Abrindo o arquivo zipado, me encontrei encarando diversos arquivos de texto. Cada um intitulado com uma data, em sequência contínua até o arquivo mais antigo "07-02-2017".

Já li os arquivos algumas vezes, e mostrei para alguns amigos. Assim como eu, não sabem muito bem do que se trata, mas certamente não ficaram tão preocupados quanto eu. Acham que Alice apenas está passando por uma fase de escrita criativa e, se eu não a conhecesse, concordaria. Mas o problema é: eu a conheço. Alice Sharma se importa apenas e unicamente com a verdade e, se esse for o caso, por mais louco que soe, é possível que minha amiga tenha registrado seu próprio desaparecimento.

As pessoas que sugeriram esse fórum disseram que aqui é discutido casos bizarros com frequência. Se alguém aqui sabe algo relacionado com o que estou postando, ou sabe de alguém que possa estar envolvido, então, por favor, estou aberto à receber qualquer tipo de informação.

Alguém já ouviu falar do Jogo da Esquerda/Direita?
O Jogo da Esquerda/Direita [RASCUNHO 1] 07/02/2017

Dizem que histórias extraordinárias acontecem com aqueles que podem contá-las. Robert J. Guthard é uma exceção a essa regra. Enquanto me sento em sua mesa, bebendo seu café, ouço-o recontar seus últimos 65 anos de vida, sentindo como se ele estivesse recitando uma lista de compras. Todos os eventos, seu primeiro emprego, seu segundo casamento, seu terceiro divórcio, nada foi descrito com mais do que duas frases. Rob vaga pelos anos, protagonista tedioso e desapaixonado de sua própria história. Entretanto, a história em si é tão fascinante, com momentos tão ricos e passagens selvagens que até consegue ser interessante.

É uma ótima história, não importa como for contada.

Quando Rob tinha 21, já tinha se casado, tido um filho, trabalhado como fazendeiro, caminhoneiro, engenheiro de barcos, e se tornou distante de sua esposa... Aqui ele conta sobre.

ROB: É claro que minha esposa começou a ficar insatisfeita, eu fiquei longe muito tempo.

AS: Por causa do trabalho?

ROB: Vietnã.

AS: Você esteve no Vietnã? Como isso foi para você?

ROB: Eu nem sequer voltei de lá.

Isso era tudo que ele tinha para falar em relação ao seu primeiro divórcio, e sobre toda a Guerra do Vietnã.

Rob teve mais quatro casamentos depois desse, e ainda mais profissões. Depois disso trabalhou eu uma firma de detetives particulares, foi baleado em uma multidão, e então virou um entregador de encomendas, e foi assim que um garoto pobre do Alabama conheceu o mundo.

ROB: Fui a maioria dos continentes com esse emprego. Fui até para a Índia. Você é da Índia?

AS: Minha mãe e meu pai são indianos, sim.

ROB: Percebi.

Uma vez foi preso em Singapura, depois que foi descoberto que suas malas estavam cheias de embalagens com um pó branco. Passou três dias encarcerado até que alguém checou a substância. Era giz.

Um amigo que conheceu durante sua breve custódia, Hiroji Sato, convidou-o para ficar com ele no Japão. Recuperando-se da separação de seu terceiro casamento, Rob aceitou a oferta. Ficou no Japão por cinco anos.

ROB: Os Japoneses são boa gente. Boas maneiras. Mas tem todas essas lendas urbanas e histórias de fantasmas que deixavam Hiroji fascinado, passava todo seu tempo livre procurando por isso. Por exemplo, você já ouvir falar de Jorogumo?

AS: Acho que não.

ROB: Bem, é uma moça-aranha que vive nas cascatas de Joren perto da península de Izu. Muito bela, porém muito perigosa. Hiroji nos levou lá para tirar uma foto dela.
AS: E você a viu?

ROB: Não, ela não apareceu. Nenhum deles nunca aparecia. Eu nunca acreditei em nada até irmos a Aokigahara.

Aokigahara, afetuosamente apelidada de floresta dos suicídios. A próxima parada nas aventuras de Rob. É uma área florestal na base do Monte Fuji, um espaço conhecidíssimo onde jovens vão para se matar. Hiroji, colega de cela e obcecado por histórias de fantasmas, tornou-se melhor amigo dele e o levou para Aokigahara para perseguir "yurei", o fantasma da floresta.

AS: Vocês encontraram algo? Em Aokigahara?

ROB: Bem, não vou pedir que acredite em mim. Mas eu era um cínico profissional. Entretanto, nem mesmo eu posso negar de que havia um espírito naqueles bosques.

A partir daquele momento, as frases de Rob começaram a se tornar mais longas. Uma animação infantil tomou conta de seu tom de voz. Tive a sensação distinta de que estávamos saindo do plano de fundo, além da antiga vida de Guthard, indo em direção da nova. Da qual ele queria contar sobre. Da qual fez com que entrasse em contato com o programa.

ROB: Ele andou até mim por entre as árvores. Parecia com a estática que você vê em uma TV dessintonizada, mas quase na forma de um humano.

AS: Quase?

ROB: Não tinha um braço. Tentou me alcançar, mas corri como o diabo da cruz daquela floresta. Hiroji nunca o viu, está bravo comigo até hoje por isso.

Hiroji tinha um bom motivo para ficar irritado. Rob diz que o Sr. Sato ia naquela floresta de duas a três vezes por ano por três décadas. Um recruta ir junto e dizer que viu um yurei na sua primeira vez? Eu ficaria mais do que um pouco irritada.

Mas Rob não manteve a posição de recruta por muito tempo. Na verdade, foi naquela floresta que ele descobriu sua atual paixão. O sobrenatural, ou melhor, documentar e investigar lendas urbanas. Lendas como Maria Sangrenta, Demônio de Jersey, Pé-Grande. Rob pesquisou todas elas.

ROB: Percebi que, se uma delas era real, quantas mais poderiam ser, sabe?

AS: Quantas você já provou ser real até agora?

ROB: Desde Aokigahara? Não tenho provas para nenhum. Aliás, exceto uma. E é por isso que chamei vocês.

Nesse momento, Rob não consegue segurar o sorriso.

O Jogo da Esquerda/Direita apareceu em um fórum sobre assuntos paranormais em Junho de 2016. Apenas poucas pessoas visitavam o site e, desses frequentadores regulares, apenas Rob demonstrou interesse na postagem.

ROB: O negócio todo tinha um nível de detalhes que você geralmente não vê em outras histórias.

AS: Que detalhes chamaram sua atenção?

ROB: Entradas de diários. Fotos em alta definição. O cara documentava tudo, dizendo que não iria mais jogar. Acho que queria alguém que continuasse investigando.

AS: E você era esse alguém.

ROB: Isso aí. Comecei a tentar verificar as informações imediatamente.
AS: E como foi?

ROB: Bem... Não demorei muito para perceber que o jogo da Esquerda/Direita era algo real.

As regras do jogo são simples. Entre no seu carro e comece a dirigir. Vire a esquerda e na próxima rua, vire à direita, então na próxima vá para a esquerda de novo. Repita esse processo infinitamente, até que você chegue em um lugar... novo. As regras são de fácil entendimento, mas Rob disse que não são simples de ser seguidas.

ROB: Não existem muitas estradas que você pode virar na esquerda e depois direita, depois esquerda, depois direita e assim por diante. Muitas vezes você encontra uma rua sem saída, ou se vê obrigado a virar na direção oposta. Mas Phoenix é construída em sistema de grades, assim você pode ficar indo para esquerda e direita o quanto quiser.

AS: Você se mudou para Phoenix por causa do jogo?

ROB: Isso mesmo.

Tentei não parecer incrédula. Vender sua casa em outro estado, empacotar suas coisas e começar uma vida totalmente nova em Phoenix, Arizona, apenas para jogar algo que viu na internet? Parecia loucura. Rob sorriu enquanto via minha expressão. Claramente eu pude ler sua expressão também. "Você verá" Dizia. "Aguarde."

Eu não teria que esperar muito. Incluído junto com as nove páginas que Rob mandou para o programa, havia uma longa lista de itens que o jornalista escolhido deveria levar junto. Roupas para três dias, um canivete, fósforos, ataduras. Havia também uma lista de qualificações que deveria ter. Dirigir, entendimento mecânico básico e o seu equivalente para humanos... treinamento de primeiros socorros. Ele não queria simplesmente conversar sobre o jogo da Esquerda/Direita. Queria que entrássemos no jogo.

Rob levantou-se um pouco depois para começar algumas incumbências, "Preparando a Corrida", como chamava. Me apresentou o quarto de visitas e assim nos separamos, amigavelmente, mas sabendo a opinião um do outro. Ele sabia que eu o via como um obcecado, perseguindo um conto-de-fadas. Já ele me via como uma cínica ingênua, na cúspide de um novo mundo. Tudo que eu podia pensar enquanto ouvia o clique da porta do meu quarto se fechando é que, na manhã seguinte, um de nós estaria certo.

Quando acordei na manhã seguinte, Rob estava no meu quarto, segurando uma bandeja, batendo na parte metálica debaixo para me acordar. Não consegui gravar o começo de nossa conversa.

ROB: ... Peguei bananas, morangos, calda de chocolate. Tenho mais lá na cozinha, mas queria que você acordasse com algo bom. Não vamos comer esse tipo de coisa na estrada.

Rob tinha feito waffles. Colocou o prato no criado mudo e falou sobre o dia que teríamos enquanto eu comia. Vou dizer que é um tanto desconfortável, acordar na casa de um estranho e ver esse sujeito de pé no meu quarto, mas superei rapidamente. Falo para mim mesma que ele é um senhor idoso, acostumado a viver sozinho em sua própria casa, sem uma noção de limites. De qualquer forma, pelo menos ele sabe muito bem como lidar com waffles.

ROB: Vamos sair às 09h. Queria dar um tempo para você se arrumar antes dos outros chegarem.

AS: Outras pessoas vão ir junto?

ROB: Teremos um comboio de cinco carros hoje. Estarão aqui daqui uma hora.

Essa foi a primeira vez que me falou do comboio, e para ser honesta, fiquei surpresa. O jogo é uma obsessão pessoal de Robert, e estou aqui à seu pedido. A ideia de que outras pessoas se interessassem na viagem de hoje me deixou perplexa.

Meia hora depois, saciada, de banho tomado, vestida com as "roupas funcionais" a quais Rob tinha sublinhado repetidamente, levei minhas coisas para a varanda. Rob já estava pronto, esperando seus associados chegarem.

AS: Achei que você tinha mais algumas coisas para fazer antes da viagem.

ROB: Se você não está preparado pela manhã, então não está preparado para isso.

AS: Ah, tá bom, justo. Ah, Rob, a garagem está trancada? A porta de dentro não abre e quero instalar os microfones no carro.

ROB: Sim, está trancada, mas vou abri-la para você.

AS: Obrigada.

ROB: Na verdade, já está na hora de colocá-la para fora. Um aviso, senhorita Sharma, é de uma beleza sem igual.

Para Rob Guthard, a beleza vinha na forma de um Jeep Wrangler verde escuro. Rob subiu e tirou da garagem, onde dominou cada centímetro da entrada. O carro é grande; quatro portas com um teto fechado. Também tinha várias outras modificações, um outro exemplo de sua dedicação ao jogo.

ROB: No que está pensando?

AS: Acho que com mais duas trilhas contínuas, você poderia dizer que dirige um tanque.

ROB: [rindo] É, eu dei uma boa arrumada nela. Coloque o cabo de guincho, pneus pesados, e o equipamento de luz em cima é de LED. Fazem com que meia-noite pareça meio-dia e não usam quase nada da bateria.

AS: Jeeps normalmente não tem o teto aberto?

ROB: Nem todos. Esse é o Unlimited. Gosto de ter um carro coberto quando estou na estrada.

Subi e comecei a arrumar meus pertences. Rob tinha retirado os bancos traseiros para ter mais espaço para nossas bagagens. Estava cheio até a boca. Galões de gasolina, barris de água, cordas, lanches e sua própria mala de roupas, tudo bem arrumado.

Fiquei imaginando se o resto da caravana estaria levando o jogo tão seriamente.

ROB: Apollo está chegando em dez minutos. Ninguém mais me deu um tempo estimado. Mandei o itinerário faz algumas semanas, isso sempre acontece.

AS: O nome dele é Apollo?

ROB: É o codinome. Apollo Creed, ele disse.

AS: Por que vocês usam codinomes?

ROB: Eu não te falei? Ah é, vamos usar apelidos na estrada, para manter a comunicação mais clara.

AS: Qual o seu codinome?

ROB: Ferryman.

AS: ...Qual é o meu codinome?

ROB: Eu já estava pensando nisso. Acho que pode ser Londres, você é de Londres, certo?

AS: Sou de Bristol.

ROB: Bristol? Pode ser, eu acho.

Em menos de dez minutos Apollo virou a esquina. Rob pulou de sua cadeira e andou rapidamente até a calçada, enquanto seu primeiro convidado estacionava na frente da propriedade.

Apollo vagamente lembrava o seu apelido; pele escura, alto e notavelmente musculoso, mas não parecia muito ser um lutador. Esse Apollo Creed era todo sorrisos e parecia ter tendência de rir de suas próprias piadas.

AS: De quão longe você vem?

APOLLO: Venho de Chicago. Foram três dias pesados de viagem.

AS: E você conheceu Rob dos fóruns?

APOLLO: Todo mundo conhece Rob, Rob é o deus! [risos]

Rob andou até o carro de Apollo, gesticulando para que o mesmo se aproximasse. Rob ficou claramente impressionado com a escolha de veículo de Apollo, um Ranger Rover azul empacotado até o teto. Eu estava mais impressionada com o próprio Rob. De alguma forma, esse idoso de 65 anos, filho de fazendeiros, tinha se tornado extremamente respeitado na comunidade online. Meu pai tem a idade de Rob e acabou de descobrir as maravilhas do Ctrl+C e Ctrl+V.

O resto não demorou a chegar. Dois bibliotecários de Minnesota por volta da idade de Rob estacionaram seu Ford Focus cinza. Eram irmão e irmã, e tinham compartilhado o hobby de caçar fantasmas desde pequenos. Foi difícil conter meu sorriso quando se apresentaram em uníssono como Bonnie e Clyde.

CLYDE: Nós teríamos chegado mais cedo, mas tivemos que parar para comprar cobertores. Prazer em conhecê-la, senhorita.

AS: O prazer é todo meu.

CLYDE: Você é a jornalista?

AS: Isso mesmo.

CLYDE: Você costumava escrever para o jornal da cidade, não é?

Ele estava falando com sua irmã, ela assentiu. Clyde claramente é o falante do par, mas ainda assim ambos pareciam incrivelmente tímidos. Se eles apenas admiravam os bandidos que usaram para seus codinomes, ou se só gostavam da sonoridade eu não sabia, mas era óbvio que não podiam ser mais diferentes do que já eram dos verdadeiros Bonnie e Clyde.

As próximas a aparecerem foram Lilith e Eve, Estudantes de Literatura da Universidade de Nova York e proprietárias do canal de YouTube Paranormicon. Ao contrário de Bonnie e Clyde, Lilith e Eve não tinham problemas em começar uma conversa. Assim que descobriram quem eu era, e o que eu fazia, tentaram me recrutar para uma expedição em Roswell.

LILITH: Temos um amigo lá, ele tem visto alguns-

EVE: -Ele é sismólogo.

LILITH: É, e tem feito leituras do solo faz alguns anos e tem apresentado movimentações subterrâneas. Movimentações previsíveis.

EVE: Vamos ir vê-los em Julho, mas poderíamos trabalhar nisso se você estiver livre.

AS: Vou verificar minha disponibilidade.

EVE: Tá bom, legal, deixa eu passar meu e-mail pra você...

Rapidamente começaram a filmar uma introdução para o seu próximo vídeo, junto com uma rápida entrevista com Rob, que parecia muito feliz com a atenção.

Os últimos dois carros chegaram com apenas alguns segundos de diferença. Uma senhora forte e ágil que ia pelo nome de Bluejay, e um homem mais jovem que usava o apelido de "Ace". Bluejay chegou em uma Ford Explorer cinza. Ace, para chateação de Rob, veio de Porsche.

ROB: Você acha que isso vai ajudar na estrada? Eu escrevi que-

ACE: É o meu carro. O que eu podia fazer? É o carro que tenho.

ROB: Você não leu meu itinerário. Você não tem mantimentos aí.

ACE: Eu li, tá bom, senhor? Calma. Eu tenho uma mochila, não vou pedir nada para vocês.

ROB: Bem, eu sei que isso é verdade.

Ace e Rob tinham tido um mal começo. Ace recebe várias ligações, e apesar dos meus esforços para conseguir uma entrevista com Bluejay, ela não parecia interessada em conversar com uma repórter.

Com cinco carros, e sete viajantes esperando um sinal verde, Rob entregou os rádios de comunicações e os carregadores, então começou a falar rapidamente sobre medidas de segurança. Usar cinto de segurança. Ficar sempre em sua posição. Comunicar-se claramente e com frequência. Foi nesse momento que comecei a ficar com receio. Eu gosto de Rob e, claramente, todos os outros também. Conseguiu convencer várias pessoas a atravessarem o país para jogar seu jogo. Começo a me preocupar com o que acontecerá quando as coisas levarem a conclusão de que isso não é real. Será que Rob perderá o respeito de seus seguidores? Será que aceitaria o fracasso? Depois de ver o esforço que colocou nessas viagens, as próximas horas podem ser bastante desconfortáveis.

Com um sorriso e palavras de encorajamento, Rob terminou seu discurso e me levou até o Wrangler. Eu escalei no veículo e tentei ficar o mais confortável possível.

ROB: Está preparada, Bristol?

AS: Estou.

ROB: Ok, então vamos encarar a estrada.

O Jeep saiu da frente da garagem, e o comboio seguiu na ordem de chegada. Apollo, Bonnie & Clyde, Lilith & Eve, Bluejay e Ace, mantendo um bom ritmo atrás de nós enquanto viramos a primeira esquina.

Rob lentamente vira à esquerda, olhando os outros pelo espelho retrovisor. Olha de volta para a estrada quando o Porsche de Ace faz a primeira curva do jogo. Pouco depois, Apollo faz contato pelo rádio.

APOLLO: Aqui é Apollo para Ferryman. Quantas mais vezes, Rob? [risos]

ROB: [riso curto] Quantas mais vezes forem necessárias.

Pude perceber que Rob queria usar o rádio para coisas mais importantes do que as piadinhas de Apollo. Mas ele parecia gostar bastante do cara para deixar isso de lado. Não tenho certeza se Ace receberia o mesmo tratamento. Pegamos a próxima direita, depois a esquerda. Agora, tendo certeza que todos estão acompanhando corretamente, Rob verbaliza meus pensamentos.

ROB: Você está se questionando a mesma coisa que Apollo.

AS: Como assim?

ROB: Está se perguntando quantas vezes teremos que dobrar antes de batermos em uma parede ou algo do tipo. Antes de descobrir que isso é só uma lenda.

AS: Isso te deixa desapontado?

ROB: Eu estaria desapontado se não estivesse pensando algo desse tipo. Mas agora que estamos na estrada, preciso te falar algo e você precisa prestar atenção.

AS: Tá...

ROB: Vamos entrar em um túnel daqui a pouco. Qualquer momento antes disso, você pode sair do carro, ir para qualquer direção, e não estará mais jogando. Assim que passarmos por ele, você terá que refazer a rota que fizemos para sair pelo mesmo túnel. É assim que se volta para casa. E você terá que convencer alguém a levá-la de volta de carro, porque eu não vou trazê-la tão cedo. Você tem até o túnel para desistir, entendeu?
AS: Entendi. Mas tenho que dizer que estou começando a ficar um pouquinho nervosa.

ROB: Não tem nada de errado em ficar um pouquinho nervosa.

Nesse momento já tínhamos virado 23 vezes. Sentia como se estivéssemos atravessando a cidade efetivamente. O Jeep altamente modificado de Rob recebe olhares impressionados de pedestres, assim como buzinadas de respeito de outros motoristas de Jeeps. Tirando esses breves momentos, tudo parecia totalmente igual a qualquer passeio de carro em uma manhã normal. Inclusive comecei até a ficar preocupada, será que teria algo para essa história, afinal? "Repórter Faz Um Passeio de Carro Com Um Senhor Meio Interessante" não me parece uma manchete premiada.

A virada número 33 nos levou para uma rua pequena e modesta. Uma sequência de pequenos negócios e lojinhas em um bairro silencioso de Phoenix; loja de bebidas, brechós, funilaria, e no final da rua, uma casinha que vendia espelhos vintages. Vejo mais ou menos dez pessoas andando pelas calçadas, sorrindo, conversando, planejando seu final de semana. A única pessoa sozinha é uma jovem de casaco cinza.

Brevemente olho para ela ali no final da rua, parada na nossa próxima esquina, a parte de trás de seu casaco refletindo em cinquenta espelhos velhos. Até de longe, posso ver que está de cara fechada, olhos arregalados, nervosa. Muda o peso de uma perna para outra constantemente, cutucando o botão de seu casaco.

Desvio o olhar para anotar algo enquanto passamos pela rua. Quando olho de novo, ela está de frente para minha janela, olhando diretamente para mim. Está sorrindo, um sorriso aberto que é quase ofensivo pela obviedade de sua falsidade.

MULHER-CINZA: Cordeiros no portão. Esperando por algo melhor que pasto quando tudo que encontraram são coisas piores do que o próprio abatedouro.

AS: O que está acontecendo?

ROB: Ignore-a.

MULHER-CINZA: Ele queria me deixar então eu o larguei. O lago estava com fome, então bebeu a ferida até ficar limpa.

AS: Moça, você está bem?

O sorriso sumiu, desapareceu de seu rosto, e tão de repente, a mulher estava furiosa.

MULHER-CINZA: O que você pensa que está fazendo?! Está louca?!

Instintivamente pressiono as costas com força contra o banco enquanto a mulher, com seus olhos arregalados, bate com os punhos na minha janela, com toda a vontade de quebrá-lo.

MULHER-CINZA: Você dançaria na língua do leão? Vai te esmagar, sua puta! Vai te esmagar pelos seus pecados! Sua bastarda de merda!

Rob pisa fundo e o Wrangler e se inclinou desafiadoramente se afastando da mulher. Quando viramos a esquina, assisto-a se balançar histericamente, infeliz. Ela grita desesperada para o resto do comboio, explodindo em lágrimas quando o último carro passa por ela.

Enquanto vai sumindo no espelho retrovisor, eu a vejo indo em direção de um grande espelho no lado da loja, um que o dono está polindo. Eu a assisto enquanto anda até ele, e com um grito absurdo, bate com sua cabeça no vidro.

O espelho racha ao redor de sua testa, o dono da lojinha pula para trás em choque, e quando a mulher puxa a cabeça da superfície do espelho, a rachadura em teia de aranha estava pingando em vermelho. Tudo aconteceu em uma fração de segundo, e rapidamente sumiu da minha visão quando dobramos na rua seguinte.

AS: Rob, o que foi isso?

ROB: Ela está lá, às vezes.

AS: Naquela rua?

ROB: Na 34ª esquina.

AS: Quem é ela?

ROB: Não sei. Mas nunca tinha se revoltado tanto antes. Deve significar que teremos uma viagem especial.

Achei a falta de preocupação de Rob um pouco desagradável, e sua sugestão de que o surto da mulher significa que teríamos um bom jogo me deixa um pouco perturbada. No meu ponto de vista, existem poucas explicações para o que tinha acontecido, e nenhuma delas era uma conclusão confortante.

Se tivéssemos acabado de cruzar com uma pessoa totalmente louca, então pode-se argumentar que Rob esteja apenas vendo o que quer ver. Talvez tivesse comprado tanto a história do jogo que cada ocorrência estranha, porém explicável, seria transcrita como um ponto a mais em suas atividades paranormais.

Uma outra alternativa é que a mulher podia ser apenas uma atriz, uma teoria mais elaborada, com certeza, mas não impossível. Muitas pessoas já tinham mentido para o meu programa, e não podemos negar que Rob estava recebendo muita publicidade, tanto de mim quanto de Lilith e Eve. Para mim, Rob não parecia ser um mentiroso, mas bons mentirosos nunca deixam transparecer.

Entretanto, tem uma terceira alternativa. Uma alternativa que, se você colocar toda a lógica de lado, explica todos os pequenos estranhos detalhes que eu não podia deixar de notar. Porque, por mais estranha que a mulher de cinza era, não era estranho que ninguém na rua reagia à ela? Eu não conseguia lembrar de ver ninguém olhando para a mulher na calçada. Talvez essa teoria se desfaça quando você considera o choque no rosto do vendedor do espelho, mas, quando penso nisso, ele só reagiu quando o espelho se estilhaçou, e mesmo assim, sinto que sua atenção estava no próprio espelho, não na mulher.

O rádio apita.

LILITH: Lilith para Bristol. Sara... Eve pegou aquilo em vídeo! Você conseguiu o áudio?

AS: Acho que consegui, sim.

LILITH: Meu deus, foi tão estranho. Pode mandar o arquivo para a gente depois? Pode perguntar para o Ferryman quando vamos parar?

AS: Quando vamos parar?

ROB: Para eles, em cerca de meia hora. Para você? Bem, você me diz.

Rob sai de uma rua bastante movimentada para uma enorme intersecção, para uma outra bem mais silenciosa, de duas pistas. À nossa frente, a estrada desce, levando a uma passagem subterrânea, que desaparece na escuridão.

Tínhamos chegado no túnel.

AS: Esse túnel passa por de baixo do quê?

ROB: Não passa por de baixo de nada, só está aí.

AS: E se não estivéssemos jogando?

ROB: Então não apareceria. A pergunta é: você está ou não está jogando?

Rob se virou para mim. É a primeira vez que tirou os olhos da estrada desde que saímos de sua casa. Estacionou lentamente o carro na boca do túnel.

ROB: Se você sair agora, pode ir para onde quiser, mas se passar pelo túnel, precisará de um carro para voltar para casa e, como eu disse, o meu carro não fará a volta por um bom tempo. Você entendeu?

É uma declaração dramática, porém inquietante, não parece uma tentativa de dramatização. Parece que estou recebendo uma intimação genuína. Estou pronta para o que virá a seguir? Eu aceito os riscos disso? Eu dou consentimento em ser levada por essa estrada, e pela outra e depois a próxima? Estou preparada para, real ou não, ver o jogo até o fim?

AS: O que você está esperando?

Rob sorriu, e se voltou para a estrada de novo. Pegou o rádio e apertou o botão do lado. O microfone chia.

ROB: Aqui é o Ferryman para todos os carros. Qualquer um que tenha a pretensão de desistir do jogo deve voltar agora. Se não, mantenha contato e tenha seus suprimentos à mão. Temos um longo caminho pela frente.

Assim como o jogo que estou jogando com tantas dúvidas, minha visão sobre Robert J. Guthard parece mudar de direção com frequência. Eu já ouvira tudo sobre sua vida, e tenho certeza que o conheço. Gosto do cara, mas não tenho certeza se confio nele. E, embora admirasse sua dedicação ao jogo da Esquerda/Direita, eu não tinha certeza aonde isso poderia nos levar. No entanto, enquanto ele nos leva pelo túnel, seu rosto desaparecendo e reaparecendo sob as luzes fracas, posso dizer que está esperando que essa viagem seja um grande passo em sua já impressionante história, e desta vez, para melhor ou para pior, eu estou junto.

[FIM DA PARTE 1]

O Jogo da Esquerda/Direita (PARTE 2)

Autoria: NeonTempo
Leia o texto original na íntegra (EM INGLÊS).