Alguém já ouviu falar no jogo da Esquerda/Direita?

Gênero: psicológico, sobrenatural, mistério, sci-fi.

Essa é a parte 2 dessa história. Se quiser ler a parte 1, clique aqui.

Oi, pessoal.

Hoje tive folga do trabalho e queria começar meu dia postando a próxima entrada do diário de bordo. Também queria agradecer pelos comentários da primeira postagem.

Algumas pessoas me mandaram links de sites que possam ter pertencido à Rob J. Guthard. Alguém até se ofereceu a procurar lojas de espelhos em Phoenix e tentar encontrar a rota até o bairro de Rob. Passarei o dia fazendo algumas ligações internacionais e enviando e-mails, mas se tiverem outras ideias sobre como eu poderia achar mais pistas, realmente aprecio a ajuda de vocês.

Para ser honesto, vou precisar de toda ajuda que puder. Toda essa experiência mostrou que eu realmente não sou Alice Sharma.

Falando nela, vou deixar que assuma daqui em diante.

Obrigado de novo.

***

O Jogo da Esquerda/Direita [RASCUNHO 1] 08/02/2017

A próxima esquina vem imediatamente depois do túnel.

Estávamos na passagem mal iluminada faziam uns dois minutos, mas no ritmo que Rob dirige, é difícil dizer o quanto tínhamos percorrido. Quando entramos na passagem subterrânea estávamos perto dos limites de Phoenix. Examinando o espelho retrovisor enquanto lá dentro, era justo dizer que não tínhamos ido muito longe. Tudo era o mesmo; temperatura, hora do dia, o tempo, tudo exatamente igual ao momento em que nos aventuramos no túnel. Não tenho certeza do que eu esperava acontecer, mas certamente não parecia que eu estava em um lugar novo.

O túnel em si não era nada demais, especialmente considerando a importância que Rob tinha colocado no mesmo. Na verdade, a única coisa interessante desde que atravessamos a passagem foi algo que Rob disse quando atingimos a metade do curso. Enquanto a saída do túnel se aproximava, ele pegou o rádio e deu um aviso casual para o comboio. A mensagem em si era bastante direta, entretanto sua escolha de palavras foi... curiosa.

Decidi perguntar sobre.

AS: Rob, agora a pouco, quando falou da próxima curva, por que usou a palavra "armadilha"?

ROB: Hm?

AS: Tenho aqui nas minhas anotações. Você disse. "Pessoal, estamos chegando no fim da passagem. Em breve, a primeira armadilha está vindo. Nossa próxima virada será brusca e para a esquerda. Fiquem atentos." Por que você usou a palavra "armadilha"?

ROB: É uma daquelas coisas. O cara que escreveu as entradas originais gostava de pensar que a estrada tentava pregar peças em você, para fazer a curva errada. Ruazinhas de terra acopladas em grandes rodovias, ruas sem iluminação, viradas bruscas como essa.

AS: Ele achava que as ruas estavam tentando enganá-lo?

ROB: Isso mesmo. E tenho que dizer que concordo com o cara.
Nessa hora, já tínhamos feito a súbita virada e um pouco depois outra para a direita. Eu não podia deixar de achar que Rob apenas estava colocando importância demais em uma simples esquina na estrada. O nível de conspiração que conseguia colocar em coisas tão simples, chegando ao ponto de atribuir alguma qualidade maliciosa ao próprio asfalto... era difícil levar a sério.

Na real, estou começando a me preocupar menos se Rob conseguirá me convencer de que o jogo é real e mais se eu conseguirei convencê-lo de que não é. Talvez essa história será menos sobre uma estrada mágica que aparece depois de algumas curvas em zigzag, e mais sobre aonde a mente humana pode chegar se fixada em uma ideia. Para dar crédito ao homem, ele já notou meu ceticismo, e até parece abraçá-lo, mas se nossos arredores atuais deveriam me convencer, vai me achar ainda mais cética do que antecipou.

Rob sempre mantém suas mãos no volante e seus olhos na estrada. Qualquer tentativa de entrevista era respondida com palavras monossilábicas. Não estava sendo evasivo, só que sua atenção está em outro lugar. Antes que eu possa perceber, meia hora se passou sem que eu e Rob trocássemos uma palavra. Parece que uma boa parte do jogo da Esquerda/Direita era sobre dirigir em silêncio. Mais uma vez, não tenho certeza do que eu estava esperando, mas certamente não era um começo significante.

Pelo menos tenho bastante tempo para fazer minhas anotações.

ROB: Ferryman para todos os carros. Paramos aqui.

Uma hora e meia calma tinha se passado desde que saímos do túnel. Eu não havia notado Rob pegando o rádio, mas antes que eu pudesse notar, o Wrangler estava estacionando no acostamento, deixando um bom espaço entre os carros. Construções estão ficando cada vez mais raras agora, não demoraria muito até estarmos em um deserto de propriedades. Com isso em mente, acreditei que ele estava parando para que todos se hidratassem.

Provavelmente é melhor que eu não faça suposições quando o assunto é Rob e seu jogo.

Embora isso também seja uma parada de descanso, Rob também queria dar uma palavrinha com a equipe. Nos colocou em um semicírculo, falando enquanto comíamos um lanche.

ROB: Bem, mencionei no e-mail que, em alguns momentos da viagem, vocês teriam que fazer coisas apenas porque mandei fazer. Esse é um desses momentos. Entendem?

EVE: Hm, sim... eu acho... nós vamos saber o que temos que fazer antes, né?

APOLLO: É agora que você vai mandar a gente entregar todo o nosso dinheiro, não é, Rob? [risos]

ACE: Bom, eu prefiro saber o que está rolando.

ROB: Eu não tenho intenção de esconder nada de vocês. Só quero ser claro, explicando que vocês têm que seguir as próximas regras sem exceções.

ACE: Tá, a gente entendeu, só fale de uma vez.

Rob espera alguns segundos, provavelmente para aumentar a tensão de suas palavras, ou talvez apenas para irritar Ace um pouco mais. Mas quando fala, é em um tom de extrema seriedade. Está claro que temos que entender muito bem o que precisa ser feito.

ROB: Por cerca de trinta minutos, nas próximas 13 voltas, vamos ir um de cada vez. Viajaremos em ordem de formação. Eu e Bristol iremos primeiro, então ligarei pelo rádio para o próximo carro partir. Quando chegar no Jeep, estacione atrás de mim. Então, continuaremos normalmente, mas...

Rob respirou fundo. Quando começou de novo, seu discurso era mais severo que antes.

ROB: ... tem um caroneiro na estrada, bem vestido e com uma maleta. Vocês darão carona, levarão até onde ele precisa ir. Mas sob circunstância nenhuma vocês irão falar com o homem. Para ficarem ainda mais seguros, sugiro que nem sequer olhem para ele. Não pegue nada que ele oferecer. Não abra a porta ou acene quando ele for embora. Finja que a presença dele não existe. Se querem um bom conselho, não falem uma palavra até chegarem no Jeep.

LILITH: Por que temos que ir um por vez?

ROB: O cara que escreveu sobre o jogo disse que o caroneiro não gosta de escolher um veículo. Não sei o que isso significa, mas nunca quis descobrir.

ACE: Por que simplesmente não passamos direto por ele?

ROB: Isso não é uma opção.

ACE: Bem, quer dizer, é uma opção sim. Eu não entendo-

ROB: Caramba! Você vai pegá-lo, querendo ou não!

O grupo está em completo silêncio. É a primeira vez que Rob levanta seu tom de voz. No silêncio que seguiu, parecia que Ace estaria muito mais feliz pegando seu carro e dando meia volta para Phoenix. Eu simpatizo um pouco com ele, Rob tem o tratado com implicância desde o começo, como um intrometido que não fizera o dever de casa, mas no final das contas, Ace não está fazendo nada para compensar isso. Além do mais, Rob está um tanto certo, ele não tinha cumprido com a lista.

BONNIE: Bem, então tá, acho que é melhor cairmos na estrada... se todos estiverem prontos.

Decidindo que não tinha mais nada a dizer, Rob marcha até seu carro. Bonnye, Clyde, Apollo e Eve sentaram no chão para compartilhar a comida. Ace se perde em seu telefone e Bluejay, ainda se mantendo distante do grupo, volta para seu carro com uma cópia do US Weekly.

LILITH: Bristol, podemos conversar?

Me viro e a vejo segurando o celular com a tela apontada para mim.

AS: Claro, o que foi?

LILITH: Você já tentou fazer alguma ligação desde que passamos pelo túnel?

AS: Ainda não, por quê?

LILITH: Pode tentar?

Tirei meu celular do bolso e liguei para o escritório. A linha estava ocupada, algo que não é incomum. Lilith assiste, esperando uma reação.

AS: Não consegui.

LILITH: Linha ocupada?

AS: ... Sim. Por quê?

LILITH: Todos os números dão como ocupado. Todos temos sinal, conseguimos ligar, mas as linhas estão sempre ocupadas.

AS: Não acha que possa ser só coincidência?

LILITH: Quando digo todo mundo, é todo mundo mesmo, Bristol. Enquanto a Eve dirigia, eu estive ligando para vários números diferentes; o suporte técnico da minha câmera, para a polícia...

AS: Você ligou para a polícia?

LILITH: Pela ciência, claro. Todos estão ocupados. Até liguei para esse carinha da minha faculdade que tem um crush em mim e, acredite, ele nunca está ocupado. Estranho, né? É como se tivéssemos atravessado uma passagem e o resto do mundo de repente... está fazendo outra coisa. Entende?

Pra ser sincera, não tenho certeza se eu entendia. Não quis dizer, mas parecia exagerado. Por sorte, Rob me salvou mandando que eu voltasse para o carro, estávamos prestes a partir. Falei para Lilith que eu investigaria sua descoberta e que na próxima parada conversaríamos mais, ela assentiu e voltou para o lado de sua amiga, pegando algumas fatias de maçã.

Subi no Wrangler e acenei para o comboio. Lentamente voltamos para a estrada. Assisti o resto do grupo desaparecendo em plano de fundo, me fez sentir muito mais isolada apesar da presença de Rob, ou talvez seja exatamente por isso, não tenho certeza.

O caroneiro aparece cerca de dez esquinas depois.

Assim como Rob dissera, o homem está incrivelmente bem vestido, com um terno marrom que o serve perfeitamente, gravata verde escura, e até de longe pude ver que seus sapatos estavam bem engraxados. Estava de pé no acostamento, e então levanta sua mão animadamente, vestindo uma expressão de esperança e antecipação no rosto.

AS: Quem é?

ROB: O caroneiro.

AS: Você só vai falar isso mesmo?

ROB: É tudo que posso dizer. Você entendeu as regras?

AS: Não falar com ele.

ROB: É melhor não falar no geral. Não até pararmos. Quando pararmos, estaremos seguros.

Rob estaciona lentamente. O caroneiro sorri em apreciação, juntando as mãos em um gesto de agradecimento. Pegando sua maleta, andou até o carro enquanto desabotoava seu blazer.

AS: Te vejo no outro lado.

A porta de trás se abre, e o caroneiro entra na parte do maleiro. Não encontrando um banco, se ajeita alegremente em cima de uma maleta bem atrás de mim.

CARONEIRO: Não tem muito espaço aqui, né?

Tenho que admitir, sinto uma vontade repentina de responder. Mesmo depois dos diversos avisos que recebi, ignorar o homem parece um ato grosseiro demais. Fui criada na Inglaterra, afinal de contas.

CARONEIRO: Então, de onde vocês são? Eu estou viajando de Oakwell.

Olho para ele pelo espelho retrovisor. Ele encontra meu olhar e sorri. Volto minha atenção de volta na estrada, contando as linhas brancas. O estranho insiste em começar uma conversa.

Dez minutos se passam. O silêncio se torna palpável, quebrado intermitentemente por outra tentativa animada de conversa. Os tópicos incluem como o tempo está bom, nossas profissões, nossos hobbies. Em resposta, tento me distrair com tarefas desnecessárias. Jogo jogos mentais, pensando em frases aleatórias e transformando-as em anagramas. Funcionou por um tempinho, e começo a me habituar com a voz do homem. Quase nem noto mais sua presença.

Talvez seja isso que fez com que ele me atingisse.

CARONEIRO: Você é a merda de um fracasso, não é mesmo?

A declaração veio do nada. É afiada, venenosa, totalmente diferente das perguntas vagas que eu andava recebendo. Eu estava sonhando acordada quando ouvi, e antes de registrar minhas ações, já estava virada o encarando. Meus lábios já estavam abertos, um pensamento pronto para ser transformado em fala.

"Como é?"

Quase falei em voz alta. As palavras estava na ponta da minha língua, três sílabas prontas para serem ditas. Só que de repente, sinto o aperto vicioso da mão de Rob em meu antebraço. Eu encarava o caroneiro, minha boca ainda aberta. Ele estava diferente agora. Todo o calor, toda a bondade, todas as vibes boas, escorreram de seu rosto como uma maquiagem derretida. Seu sorriso era maléfico e friamente calculado; finalmente parecendo honesto.

CARONEIRO: Você quer saber coisas? Eu posso te dizer.

Rob manteve seus olhos na estrada, mas o aperto em meu braço ficou mais forte.

CARONEIRO: Posso te contar tudo que você quer saber. Até as coisas que nunca vai saber sobre você mesma. Até os pensamentos que você não sabe que pensa... essas pequenas criaturas, bem lá atrás.
Ficamos nos encarando por mais um momento, até eu me virar novamente e olhar para a estrada. Não contei mais as linhas. Agora me foco intensamente em qualquer coisa que o nosso passageiro tem a dizer. Pelos próximos dez minutos, ignorá-lo será o ponto da minha concentração.

Ele tenta mais algumas vezes, voltando para as perguntas inocentes. Nada me abala. Cinco minutos depois ele aponta para um lugar aleatório da estrada para que Rob o deixe. O homem nos agradece, desce do carro, pega sua pasta e acena enquanto partimos. Quando estávamos sumindo na próxima curva, ele ainda não tinha parado de acenar.

Surpreendentemente, o silêncio deixado pelo caroneiro é tão intenso quanto os momentos em que ele falava. Decidi quebrar a tensão. Meio deselegante.

AS: Pra ser justa, realmente o tempo está bom.

ROB: Não fale.

AS: ... Você está bravo comigo? Desculpa, ele quase me pegou, eu não estava esperando que-

ROB: Você foi bem. Não falamos até parar.

Volto para as minhas anotações, escrevendo meus sentimentos naquele exato momento. Só para registrar, "Envergonhada, porém aliviada." Entretanto, quando coloco essas palavras no papel, sinto outra coisa. Confusão misturada com preocupação. Porque, no final das contas, por quê eu estava aliviada? Por não ter falado com um homem estranho que tentou puxar papo comigo? Será que estávamos mesmo em risco?

Quanto mais eu pensava nisso, mais eu percebia que o episódio com o "caroneiro misterioso" reduzia o jogo da esquerda/direita a duas possibilidades. Ou é real, ou é um hoax muito bem feito produzido por Robert J. Guthard. A mulher louca, o túnel, as curvas sinuosas, tudo podia ser explicado racionalmente, mas o caroneiro era elaborado demais, difícil demais de se prever. Se era um ator, Rob não é nada mais que uma fraude impressionante. Será que era tudo real? Não sei onde isso nos leva.

Algo que vejo na minha visão de canto me tira de meus pensamentos conturbados. Um objeto periférico transitório que quase passa completamente despercebido antes que eu me vire em uma fraca tentativa de ver o que era. Consigo visualizar por uns dois segundos antes de sair do meu campo de visão. Me viro pra frente novamente, e deixo que Rob nos leve para mais longe na estrada.

Não demora muito para finalmente pararmos.

ROB: Você foi bem, sinto muito por ter te segurado. Eu só não queria que você fizesse algo de que fosse se arrepender.

AS: Não, tá tudo bem. Você sabe o que acontece se falarmos com ele?

ROB: Não tenho certeza. Cheguei perto uma vez, alguns anos atrás. O jeito que ele olha para você quando acha que conseguiu? Não sei se quero saber o que acontece.

AS: Rob, eu vi algo alguns minutos atrás. Não sei se você notou.

ROB: Olha, meus olhos estavam o tempo todo na estrada.

AS: Tinha um carro no acostamento. Caiu da ribanceira. Você já viu isso antes?

ROB: Nunca vi isso. Mas coisas aleatórias acontecem aqui e ali.

AS: Tem mais pessoas que coordenam o jogo a não ser você?

ROB: Não que eu saiba. Mas seja lá quem fosse, é melhor bater o carro do que encarar o caroneiro de novo.

AS: Ele também aparece na volta?!

ROB: Se você for azarado.

AS: Bem, algo para se esperar.

Rob pegou o rádio e falou com Apollo para ele sair, repetindo os avisos e preocupações sobre o caroneiro. Creio que todos receberão um aviso similar quando embarcarem. Ace provavelmente receberá dois.

Cerca de meia hora depois, Apollo aparece. Apesar de rir de sua provação, está claramente abalado.

APOLLO: O cara devia chamar um Uber. É difícil calar a boca dos caras [risos]. Vocês têm Uber lá na Inglaterra?

AS: Aham.

APOLLO: Então entende o que eu quero dizer, né?

Bonnie e Clyde chegaram mais rápido que Apollo. Eles estacionam atrás, Clyde ajuda Bonnie a sair do carro e começam a alongar as pernas.

Assim que Apollo se junta a eles, fica claro que cada um tem uma história diferente. O caroneiro ofereceu doces para Clyde, agradavelmente mas insistindo muito para que pegasse. Apollo quase foi pego quando ele perguntou sobre gostos musicais, depois que o caroneiro pediu pra ele ligar a rádio. Essa história me deixou curiosa se a minha rádio funcionava nessa estrada.

Rob cumprimentou Bonnie e Clyde, e então se afastou para dar o sinal à Eve & Lilith. Ele ainda está sentado no Jeep quando eu vou até sua porta.

AS: Ei, o que está fazendo?

ROB: Só esperando aqui no rádio. As meninas estão a caminho. Precisa de algo?

AS: Hm... talvez. Eu, hm, acho que Apollo se afetou pelo lance do caroneiro um pouco mais do que está deixando transparecer.

ROB: Na minha opinião, ele parece bem.

AS: Não tenho certeza. Ele só sorri quando as pessoas se aproximam. Você pode falar com ele?

ROB: Bem, eu não sou muito reconfortante, tenho quatro ex-mulheres para me lembrar disso. Talvez seja melhor você tentar?

AS: Acho que é... uma conversa de homem pra homem. Acho que eu só receberia uma expressão de coragem.

Rob não parece confortável, mas sai do carro.

ROB: A última conversa "de homem para homem" que tive, meu filho não falou comigo durante três meses.

Assisti ele caminhando até Apollo, que está de pé ao lado de sua Range Rover, olhando para seu celular. Rob coloca uma mão no ombro do homem. De longe, é na verdade um momento bem bonito. Me sinto até mal por ter mentido para ele.

Cuidadosamente abro a porta do lado do motorista e entro no Wrangler, supondo que tinha cerca de 20 segundos antes de Rob voltar. Pegando o receptor de rádio, olho para uma lista de presença, rotulados de um a nove. Não sei qual botão pressiono para falar com Eve e Lilith e certamente não tenho tempo para ligar para todos.

Rob entregou a todos nós um transceptor antes de sairmos. É como ele vem fazendo os informes para todos os carros. Um dos botões faz com que ele fale com todos os carros ao mesmo tempo, esse já vi em prática várias vezes. Os outros botões devem dar acesso a rádios individualmente e, se Rob é o homem que acho que é, ele deve ter dado os rádio numerados conforme nossas posições. Se esse é o caso, o Número 2 devia ser eu ou ele. Apollo era o seguinte, então Bonnie e Clyde. Sem saber onde Rob tinha se colocado na fila, a única opção que me colocaria em contato com Lilith ou Eve seria pelo 7. Acho que fazia sentido.

Sem tempo para conferir, apertei o botão e peguei o receptor.

AS: Aqui é Bristol para Lilith e Eve. Vocês estão aí?

O rádio chiou baixinho. Olho pelo espelho retrovisor e vejo Rob constrangedoramente conversando com Apollo. Talvez suas quatro ex-esposas estivessem erradas, afinal.

LILITH: Lilith para Bristol. Como é o outro lado? Não vimos o caroneiro ainda. Aliás, acabei de ligar para Eve e a ligação foi completada, você poderia me passar o seu número para eu tentar...

AS: Desculpa, Lilith, estou ligando por outro motivo...

LILITH: O que houve? O que está acontecendo aí?

Apollo está assentindo para Rob, creio que seja uma afirmação, dizendo que está perfeitamente bem. Não tenho mais muito tempo.

AS: Tenho uma missão para vocês, mas tem que ser secreta.

LILITH: Sensacional, o que foi?

AS: Depois que passarem o caroneiro, vai ter um carro batido na estrada, no lado do passageiro. Quando passarem por ele, podem fazer uma filmagem?

LILITH: Que tipo de filmagem?

AS: Só dê zoom e pegue o máximo de detalhes que conseguir. Não precisa parar, só... qualquer coisa será útil.

Rob está andando de volta para o carro. Mudo para o lado do passageiro, ainda segurando o rádio.

LILITH: Algo específico que-

AS: Fale comigo depois. Obrigada. Tchau.

Coloco o receptor no gancho um segundo antes de Rob abrir a porta. Ele dá de ombros para mim.

ROB: Ele parece bem, a não ser que tenha algo que ele não me falou.

O resto do dia foi bem normal. Lilith e Eve estacionaram, falando sobre a experiência com o caroneiro e se gabando como a filmagem de dentro do carro ficaria no canal do YouTube. Lilith termina de falar insistindo que nada mais ocorrera pelo resto da jornada, dando um olhar significativo em minha direção. Desvio o olhar e faço uma anotação mental de falar com ela mais tarde, quando tiver menos pessoas por perto.

Bluejay parece menos afetada por seu momento com o caroneiro. Conseguimos tirar algumas palavras dela, mas acho que "algumas" é até um exagero.

BLUEJAY: Estou cansada.

E depois disso foi se sentar sozinha.

Quando Ace estaciona, quase cai ao sair de seu carro. Suas pernas estão fracas, seu rosto assombrado, sua respiração rápida e superficial. Tento fazer com que fale, mas ele apenas me dispensa, querendo mais saber para onde vamos do que por onde passamos.

Viajamos por mais algum tempo, agora na virada número 486, chegando próximo a nossa primeira noite na estrada. Rob sinaliza nossa parada, uma clareira silenciosa no topo de uma colina. Rob faz uma área para dormirmos atrás do Wrangler, deixando uma barreira de malas entre nós dois. Aprecio seu gesto, mas não sei como dizer. No final das contas, apenas digo...

AS: Obrigada pelo espaço.

Apolo tenta impedir que todos vão dormir, emitindo declarações vagas sobre "fazer uma fogueira", mas as pessoas rapidamente saem para seus carros. O início precoce e os eventos subsequentes do dia cobraram seu preço. Eu assisto Lilith e Eve se separarem do grupo e irem para a cama. Acho que vou ter que falar com elas amanhã de manhã, quando Rob não estiver por perto.

Ainda me sinto um pouco mal por mentir para ele, e por puxar Lilith e Eve para o que poderia ser um flagrante de minha ridícula paranóia. Rob parece ser um bom homem, um homem razoável, tão falho como qualquer um de nós, mas fundamentalmente decente. Mas o fato é, quando falei com ele sobre o carro, disse claramente:

ROB: Ninguém que eu conheça. Mas seja lá quem fosse, é melhor bater o carro do que encarar o caroneiro de novo.

Quero confiar no Rob. Quero acreditar nele quando diz que não viu o carro, que nunca viu outro carro no acostamento. Mas para um homem de poucas palavras, pode ser que tenha falado demais.

Se nunca viu o carro, como sabia que estava na direção de volta?

Faço todas as minhas anotações sobre este assunto no papel em taquigrafia, e o que eu espero é, que na vida longa e variada de Rob, ele nunca tenha aprendido a ler essa técnica de abreviação de palavras. Muito depois de Rob ir para a cama, fico no banco do passageiro digitando meus pensamentos do dia.

CHUCK: Essa foi “Sister Moon” de Leslie Estrada, outra música para acalmar vocês enquanto dirigem nessa bela noite. Aqui é Chuck Greenwald e estou com você até a hora das bruxas.

Decidi ligar o rádio, no fim. Estava curiosa e também queria companhia. Abaixei o volume mais baixo que pude para que o ruído não chegasse até Rob, e procurei por algo para deixar em segundo plano. Não há muitas estações para escolher aqui. O mais claro que consegui foi a rádio Júbilo, uma estação local de uma cidade próxima. O atual DJ, Chuck Greenwald, estava tocando folk na última hora.

CHUCK: Tem sido uma semana agitada aqui em Júbilo enquanto recebemos nosso novo diretor da escola, um cara muito impressionante que está trazendo algumas propostas novas e interessantes para a nossa comunidade. Tem algumas pessoas falando sobre financiamento para as artes, e se você tem alguma opinião, nós gostaríamos de ouvir.

Terminei de digitar minhas anotações menos clandestinas e só então percebo o quão cansada estou. Querendo dormir, mas ainda não preparada para enfrentar o único metro entre mim e o colchão de ar, deito-me no banco, ouvindo o sr. Greenwald falar com sua amada cidade.

CHUCK: Vamos voltar aos pedidos dos ouvintes muito em breve e posso dizer que temos alguns presentinhos no meio do caminho. Mas por enquanto, vamos nos posicionar na nova caixa.

CHUCK: E vão doer agora.

Imediatamente, ao volume de um sussurro, a Radio Júbilo começa a transmitir uma cacofonia de gritos de doer os ossos. O barulho arrasta-se pelo ar, soa como centenas de pessoas, cada uma contribuindo com sua própria voz para uma sinfonia coletiva de dor e tormento.

Instintivamente afasto meu corpo para longe do rádio, de repente sentada reta e bem acordada. Os gritos são incessantes, agonizantes, pontuados apenas por pedidos meio sufocados de que parassem seja lá o que estivesse provocando-os.

Um momento depois os gritos são cortados quando os tons suaves de Chuck Greenwald assumem o controle.

Olhei do rádio para a figura adormecida de Rob J. Guthard. Não posso deixar de olhar para ele enquanto um único pensamento corre na minha mente.

Espero que este homem seja uma fraude, espero que ele esteja fazendo uma pegadinha comigo. Porque se ele não estiver, então há algo de muito errado nessa estrada.

CHUCK: Espero que vocês tenham gostado, nós traremos muito mais. Quem fala é Chuck Greenwald para dizer que você sempre é bem-vindo em Júbilo.

[FIM DA PARTE 2]

O Jogo da Esquerda/Direita (PARTE 3)

Autoria: NeonTempo
Leia o texto original na íntegra (EM INGLÊS).